Cenário.
Havia algo de mais seriamente profundo naquela sala de estar. Nos cristais, nos três sofás desgastados, na mesa tabaco, mesa preta. Nas paredes brancas que em sua palidez opaca assumiam a amarelidão da lâmpada - três lâmpadas pouco potentes, coisa de 60 watts sendo uma sempre apagada. Até mesmo na rachadura que tomava a parte lateral de uma das 6 paredes da sala - isso porque as salas podem e devem ter mais de 4 paredes. Uma delas, redonda, inclusive; Outra com uma janela enorme, com vistas para todo o céu que for possível enxergar sob a poluição metropolitana. Outra em branco, vazia, enorme, de frente para a outra que era semi-ocultada.
A rachadura ficava na parte lateral de uma das 6 paredes da sala, cortando suavemente sua cobertura, expondo parte do concreto e um fino vão que dá para a escada de acesso à entrada. A entrada ficava na redonda, de frente para uma também vazia e imensa e branca parede, com algumas marcas de pés e mãos e gordura. O vidro da janela tinha um quebradinho e também uma rachadura, como se isso fosse expressão de algo mais que a coincidência.
Os sofás que eram três eram três e três diferentes. Dois tinham tentado que fossem iguais, mas na quase falta de dessemelhança tinham optado por aqueles mesmos. Cada um junto a cada uma das paredes retas. Faltaram três sofás ou sobraram três paredes? Uma era redonda, outra era curta, na outra estava a estante, também tabaco, também desgastada.
Na parede do sofá quadriculado em laranja e bege desbotados tinha um gancho um pouco enferrujado, um pouco brilhante, um pouco branco da tinta da parede que desgastou e pousou ali. A parede da janela também tinha um gancho e este também era um pouco enferrujado, brilhante, branco pousado. Embaixo-em frente da janela estava o sofá encarnado, desbotado do sol que nem batia nele. Cortina não tinha, mas o varão estava sobre a janela, suportado pelas duas extremidades enquanto no centro estavam os furos, estavam os parafusos, mas o apoio de madeira não.
Uma caixa destampada no chão nada continha e nada conteve, mas estava ali e ali ficaria. Ao seu lado, uma bola por criança nunca jogada, isso já ao pé do terceiro sofá: azul com flores franco-reais estampadas na malha grossa. Pela ação do tempo tanto ele quanto o manto que o cobria - com motivos listrado-jamaicanos - eram um maciço de linhas e espuma laranja desfiadas. O manto era o motivo dos ganchos - já foi uma rede.
A pilha de revistas de decoração ao lado do sofá demonstrava uma intenção, mas essas mesmas de velhas já tinham orelhas, manchas e a impressão escurecida, ou clareada. O próprio chão - madeira - tinha alguns tacos soltos, nos cantos dos quais pulavam um e outro pedacinho da construção. A madeira riscada e também manchada. No canto do batente da porta uns pregos prendiam a madeira à parede, e lá estava metade da trava de segurança - a outra quebrou. Acima uma lâmpada que nunca acendia e, a seu lado, a campainha que nunca cantou.
Sobre a mesa outra caixa, menor, de papel mais tosco, com inscrições estrangeiras. Essa fechada e posta de lado. A seu lado um telefone. Uma caneta. Um papel: algo anotado. Um número de telefone, uma seta, um nome, muitas estrelas, muitas espirais, letras perdidas. Em frente à mesa uma cadeira de couro marrom e metal, giratória. Seu couro com cantos comidos, costuras pretas do tempo e rangido no metal ao girar parecia nunca ter servido assento a pessoa qualquer.
Da fresta entre as folhas da janela vento fresco corria para se juntar ao que vinha sob a porta. Bolinhas de poeira se juntavam em uma dança tribal, até que a brisa cessou e permitiu assentarem de novo, tranqüilamente, entre os tacos e as folhas da pilha de revistas.
Havia ainda algo mais.
Deveria haver algo mais.
Mas tudo ao redor era branco de uma amarelidão opaca e desgastada, rachaduras e frestas.
- Continua -
A rachadura ficava na parte lateral de uma das 6 paredes da sala, cortando suavemente sua cobertura, expondo parte do concreto e um fino vão que dá para a escada de acesso à entrada. A entrada ficava na redonda, de frente para uma também vazia e imensa e branca parede, com algumas marcas de pés e mãos e gordura. O vidro da janela tinha um quebradinho e também uma rachadura, como se isso fosse expressão de algo mais que a coincidência.
Os sofás que eram três eram três e três diferentes. Dois tinham tentado que fossem iguais, mas na quase falta de dessemelhança tinham optado por aqueles mesmos. Cada um junto a cada uma das paredes retas. Faltaram três sofás ou sobraram três paredes? Uma era redonda, outra era curta, na outra estava a estante, também tabaco, também desgastada.
Na parede do sofá quadriculado em laranja e bege desbotados tinha um gancho um pouco enferrujado, um pouco brilhante, um pouco branco da tinta da parede que desgastou e pousou ali. A parede da janela também tinha um gancho e este também era um pouco enferrujado, brilhante, branco pousado. Embaixo-em frente da janela estava o sofá encarnado, desbotado do sol que nem batia nele. Cortina não tinha, mas o varão estava sobre a janela, suportado pelas duas extremidades enquanto no centro estavam os furos, estavam os parafusos, mas o apoio de madeira não.
Uma caixa destampada no chão nada continha e nada conteve, mas estava ali e ali ficaria. Ao seu lado, uma bola por criança nunca jogada, isso já ao pé do terceiro sofá: azul com flores franco-reais estampadas na malha grossa. Pela ação do tempo tanto ele quanto o manto que o cobria - com motivos listrado-jamaicanos - eram um maciço de linhas e espuma laranja desfiadas. O manto era o motivo dos ganchos - já foi uma rede.
A pilha de revistas de decoração ao lado do sofá demonstrava uma intenção, mas essas mesmas de velhas já tinham orelhas, manchas e a impressão escurecida, ou clareada. O próprio chão - madeira - tinha alguns tacos soltos, nos cantos dos quais pulavam um e outro pedacinho da construção. A madeira riscada e também manchada. No canto do batente da porta uns pregos prendiam a madeira à parede, e lá estava metade da trava de segurança - a outra quebrou. Acima uma lâmpada que nunca acendia e, a seu lado, a campainha que nunca cantou.
Sobre a mesa outra caixa, menor, de papel mais tosco, com inscrições estrangeiras. Essa fechada e posta de lado. A seu lado um telefone. Uma caneta. Um papel: algo anotado. Um número de telefone, uma seta, um nome, muitas estrelas, muitas espirais, letras perdidas. Em frente à mesa uma cadeira de couro marrom e metal, giratória. Seu couro com cantos comidos, costuras pretas do tempo e rangido no metal ao girar parecia nunca ter servido assento a pessoa qualquer.
Da fresta entre as folhas da janela vento fresco corria para se juntar ao que vinha sob a porta. Bolinhas de poeira se juntavam em uma dança tribal, até que a brisa cessou e permitiu assentarem de novo, tranqüilamente, entre os tacos e as folhas da pilha de revistas.
Havia ainda algo mais.
Deveria haver algo mais.
Mas tudo ao redor era branco de uma amarelidão opaca e desgastada, rachaduras e frestas.
- Continua -
Um comentário:
Amei!
Lindo, lindo... e aguardo o "continua"
bjos
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